Você tem uma caixa de papelão?

Eram dois amigos que dividiam as aventuras e a fantasia da infância. Um dia apareceu uma caixa de papelão, que tinha sido usada para embalar um fogão. A caixa era enorme e tinha o formato de uma cabine.
Alguns cortes aqui outros ali, e a caixa de papelão virou um estúdio de rádio montado em cima de uma mesa. De um lado ficava o operador técnico, do outro o locutor. Além da caixa, a criatividade para usar a tecnologia disponível: um gravador portátil e uma vitrola para tocar a trilha sonora em disco de vinil. Ah! Também tinha uma pequena máquina de escrever velha.
As notícias eram os acontecimentos gerados pela imaginação e a inspiração para as propagandas vinha da Telelista entregue pela empresa telefônica (quem é mais antigo deve se lembrar do catálogo que tinha as páginas amarelas com os números de telefones e anúncios de empresas).
Por um bom tempo essa foi a brincadeira favorita, principalmente nos dias de chuva do inverno no interior do Rio Grande do Sul. Mas o tempo passou e a caixa de papelão não resistiu e teve que ser colocada no lixo. Mas uma coisa não foi jogada fora: o sonho de trabalhar com rádio já estava plantado no coração dos dois.
Um deles sou eu. O desejo de ser jornalista e radialista ficou tão forte dentro de mim, que aos 15 anos pedi para um empresário que anunciava na rádio da cidade, para eu produzir o texto da propaganda de sua loja. Fui ao estúdio gravar a propaganda, o frio na barriga era muito forte, quando vi toda aquela estrutura tive a sensação de flutuar, saí por um momento da realidade.
Quando cheguei em casa encontrei minha mãe e disse:
- Tenho certeza da profissão que quero seguir: é comunicação.
Depois dessa experiência, já se passaram 28 anos. Fiz faculdade de Jornalismo trabalhei em alguns dos principais veículos do país. O rádio ficou para trás, especializei-me em televisão, mas sempre bate uma saudade... Hoje meu amigo é gerente de uma emissora de rádio no interior do Rio Grande do Sul.
Ouço muito ultimamente, talvez por causa da crise, que temos que pensar em ganhar dinheiro e depois nos nossos sonhos. Mas quando decidi escrever esse texto, foi para dizer o contrário, o que nos mantém com o coração ardente não é o quanto ganhamos, mas o quanto estamos próximos dos nossos desejos, o quanto estamos apaixonados.
Hoje por causa da circunstância das transformações do mercado mais uma vez estou aprendendo novas ferramentas e revendo conceitos, o que é positivo. Mas nessa caminhada confesso, há dias que dá uma vontade de voltar para caixa de papelão e de fazer o que mais gosto: simplesmente contar ou inventar uma história sem que a pressão por resultados prejudique a inspiração. Basílio Rota
Jornalista